Tive uma infância difícil até meus sete anos, sou filha adotiva, meus pais eram roceiros e ficavam o dia todo fora de casa.
Nós ficávamos meio jogados, sem amparo durante o dia. Éramos seis menores, sendo a maior de uns 15 anos. Passei todo quanto é medo: de cobra, de polícia (tínhamos medo de entrar debaixo da cama), de cachorro louco e lobisomem (tinha um que nos atormentava o sono, rondando nossa casa, dava pra vê-lo nas frestas da parede de pau a pique), de gato miando nos buracos da telha (não havia forro), de chuva forte com raios e tudo o mais.
Dormíamos os seis num sofá cama de vinil (aqueles bem gelados no inverno - imaginem com xixi de algum irmãozinho). Falo tudo isso porque hoje, sou uma pessoa normal apesar de todos esses traumas. Fui adotada aos sete anos, após a morte de minha mãe, com câncer. Foi terrível, mas sobrevivi. Ganhei outra família, porém perdi a minha anterior...
Natal, para mim hoje é tempo mágico, adoro as luzes de natal, a árvore, sempre monto, quero cultivar nos meus filhos este amor por este tempo de amor, alegria e esperança! Pois quando eu era criança, natal era dia de comer macarronada, tomar um guaranazinho, e ganhar uma bala! O brinquedo a gente montava do lixão: perna de uma boneca, braço de outra e cabeça de outra. E éramos felizes mesmo na pobreza. E noto hoje um vazio imenso em nossas crianças que me dói o coração. É uma saga pelo Ter mais, pelo Ser mais, sem medidas! O celular melhor, com mais funções, o tênis da melhor marca e modelo, a calça jeans mais descolada e assim por diante.
Hoje as crianças têm pré-escola, ensino fundamental e médio... Muitas não conseguem ser alfabetizadas, dizem os especialistas que por problemas psicomotores, neurológicos, e etc. Mas no meu caso, as coisas foram difíceis: eu tinha oito anos e nunca tinha visto um lápis, fui alfabetizada em 01 ano, manejei o lápis sabendo ou não, não tive pré-escola, nem Frenet, nem Piaget a meu dispor, tive apenas a velha cartilha “caminho suave” com o antigo método memorativo do b a ba...A condição era eu tinha que aprender para ser como os outros
(alfabetizados). E aprendi. Minha letra nem era tão legível e bonitinha, mas sabia formular e interpretar. Hoje em dia, tenho alunos que chegam a mim na 8ª Série e não dominam a leitura e escrita. Possuem histórias difíceis, talvez como a minha... Mas o que está errado hoje? A escola tem mais recursos, mais fontes, professores mais preparados, com métodos de ensino que respeitam o tempo da aprendizagem do aluno. E mesmo assim, muitos não conseguem. Crianças com um histórico como o meu, atualmente não conseguem aprender. Eu me pergunto, será que nossa sociedade não esta sendo paternalista demais? Será que todos não estamos sendo permissivos e deixando de impor desafios e limites a esta criança? Será que nós não somos responsáveis pelo fracasso delas diante da vida? Por que vivi na década de 70, período militar, época de ditadura social no país. Não havia chance para você escolher os caminhos: ou você passava de ano ou ficava prá trás. E diante desta máxima, eu fui sempre pra frente, sempre! Não havia escolha e ninguém passava a mão na minha cabeça não.
Resultado, hoje sou uma professora por vocação, pois amo ensinar, talvez eu queira dizer aos meus alunos de hoje, não desanimem, se eu aprendi vocês também podem, se eu hoje sou uma professora, vocês também podem e ainda mais na sociedade do conhecimento que vivemos. Acredito que deixar o paternalismo de lado e exigir, impor desafios a estas crianças não às fará sentirem-se inferiores ou especiais (como é usual pensar) e sim é fazê-las crescer diante do obstáculo da vida!
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